Estou de saco cheio

Posted in Brasil, Pessoal, Sociedade on 10:02, 06/07/2008, by Túlio Barros

Estou de saco cheio. Estou de saco cheio da minha vida, das próximas eleições que virão, das más notícias que circulam todos os dias e estou de saco cheio, também, da minha faculdade. Fico relembrando alguns anos atrás, de como era feliz e eu não sabia. Agora é tarde para reclamar. Terei que promover outra reforma em minha vida. Eu não agüento mais a falsidade de muitos, não agüento mais essa síndrome da falta de caráter que atinge toda a sociedade. Culpar o outro pelo descaso da situação é fácil, mas o que cada um faz para melhorar o meio em que vive ou o mundo? É fácil julgar pessoas, armar situações, se fazer de vítima e proteger-se como se fosse um imaculado. Qual o problema de assumir erros? Qual o problema de demonstrar que é humano e também comete uma falha? Será que devem sempre buscar o caminho da própria defesa, mesmo não tendo por onde se defender? O que é amizade? O que é ética? O que é moral? O que uma pessoa dessas faz para mudar o mundo? Que direito alguém possui de julgar os outros e não sentir-se objeto de julgamento? E quer saber de uma? Que de danem! Façam pelo caminho errado, mintam, falsifiquem, procurem sempre obter vantagem sobre os outros, sintam-se superiores. A sociedade age dessa maneira e, quando vítima, não sabe como se proteger. Mas felizmente eu sei. Enquanto houver esse tipo de pessoa ao meu redor, haverá sempre a discórdia. Odeio falso moralismo, odeio mentira, odeio quem se sente superior, odeio quem se faz de vítima, odeio quem não fala na cara, odeio quem omite fatos sérios que podem prejudicar outra pessoa, odeio quem engana e se deixa ser absurdamente enganado, eu odeio quem não abre os olhos e não procura viver da melhor forma possível nesse mundo sem limites em que vivemos. Eu nunca vou me calar e espero que muitos que também estejam de saco cheio nunca se calem.

A diferença entre Isabella Nardoni e Isabella dos Santos

Posted in Brasil, Imprensa, Sociedade on 10:33, 27/04/2008, by Túlio Barros

Primeiramente, gostaria de apresentar uma reportagem fictícia a respeito da morte de uma personagem fictícia chamada Isabella dos Santos.

 

Isabella dos Santos foi jogada da janela de sua casa na favela

            Isabella, uma menina de apenas seis anos, que morava com o pai e a madrasta, foi encontrada morta nessa sexta-feira, 25 de abril, após chegar em sua pequena casa na favela do Bairro da Paz, em Salvador. A menina foi encontrada do lado de fora da casa, abaixo da janela do único cômodo da família, ensangüentada e com poucos minutos de vida. Vizinhos relatam que o pai de Isabella, José dos Santos, e sua madrasta, Jucileine de Jesus, haviam chegado em casa após descerem no ponto de ônibus com a menina e seus dois irmãos mais novos, filhos de Jucileine, um pouco antes das nove horas da noite. Segundo João da Silva, vizinho de José, a menina estava sendo carregada pelo pai e coberta com uma camisa velha e suja, aparentando estar dormindo. João conta que não foi possível observar maiores detalhes por causa da pouca iluminação do local. Sheila da Silva, esposa de João, conta que ouviu gritos de socorro da própria Isabella da casa de José, como se chamasse pelo pai. Poucos minutos depois, Jucileine estava com Isabella no colo do lado de fora da casa, aos gritos, afirmando que Isabella estava morta. A polícia chegou ao local por volta de duas horas depois do ocorrido e levou para a delegacia o pai de Isabella, como suspeito de ter sido autor do assassinato, e a madrasta, com a suspeita de ter sido cúmplice. A mãe de Isabella, Maria das Graças Pereira, chegou ao local pouco tempo depois da polícia. Ela afirmou no local que José sempre teve um comportamento violento e a madrasta tinha ciúmes de sua filha brincando com os outros irmãos. Ela afirmou, também, que havia ido ontem à casa de José pedir permissão para passar alguns dias com a menina e o pedido foi negado. Na delegacia, José dos Santos e Jucileine de Jesus negaram que houvessem cometido o crime e afirmaram que houve um assalto na casa. Após darem depoimentos separados, e haver contradição no horário da chegada da família ao local do crime, a polícia condenou o casal por homicídio. O enterro da menina Isabella dos Santos foi marcado para hoje à tarde, em Salvador.

 

            Essa certamente seria a reportagem da menina Isabella Nardoni caso ela morasse na favela. A morte dela seria noticiada em alguns programas sensacionalistas e a matéria sobre sua morte duraria pouco menos de dez minutos. Não haveria investigação, não haveria advogados, não haveria missa com presença de artistas e com milhares de pessoas em algum lugar do Brasil e não haveria milhares de cruzes espalhadas por uma cidade para simbolizar as vítimas da violência do Brasil.

Não critico a dor de sua família e a importância do caso, pois certamente foi uma crueldade. Mas me pergunto o que esse caso possui de tão especial e de tão diferente de tantos outros, que conseguiu comover uma população apática de um país, conseguiu comover uma população que se conforma até com as desgraças que acontecem na própria vida. Será o fato de Isabella ser branca? Ser uma menina da classe média? Será o fato de Isabella ser filha de pais instruídos e que possuíram boa educação familiar? Se analisarmos melhor o caso, veremos que Isabella foi só mais uma vítima de uma possível crueldade dos pais. O que diferencia de outros casos certamente são os pais. Diferentemente da família de outras meninas que sofreram abusos ou foram assassinadas pelos pais, onde os pais dessas meninas foram presos independentemente do que afirmaram na delegacia, a mãe de Isabella possui o privilégio de poder saber exatamente quem foi o autor, ou os autores, do assassinato da sua filha. Ela possuiu o privilégio de poder saber exatamente como sua filha foi morta e a que horas o crime foi cometido. Possuiu o privilégio da presença de artistas e de milhares de pessoas em uma missa rezada pela paz. Possuiu o privilégio de poder fazer uma alerta a toda população brasileira sobre a gravidade dos crimes e a perda do sentido da vida nos dias de hoje. Até então, tudo indica que tenha sido o pai e a madrasta de Isabella Nardoni. Trata-se da família Nardoni, residentes em um apartamento num edifício de classe média. Trata-se de um casal de pessoas de etnia branca e com bons estudos. Será que algum ou alguns desses fatores contribuíram para que o casal não tenha sido preso, mesmo havendo fortes indícios que apontam para a acusação deles? Será que esses fatores contribuem para que a polícia e a população estejam, de certa forma, desacreditada que tais pessoas, tão “corretas” e “bem aceitas” na sociedade, fossem capaz de uma barbárie como essa? Será pelo fato do avô paterno e do pai da madrasta da menina Isabella serem advogados? E se fossem negros? E se fossem pobres? E se fossem garis, vendedores ou ajudantes de pedreiro? E se morassem na favela? E se o avô paterno e o pai da madrasta de Isabella fossem aposentados?

A mídia teve um papel sensacional nesse caso. Uma cobertura completa, detalhe por detalhe, de cada ponto avançado no caso da Isabella Nardoni. O Jornal Nacional mostra-se mais atraente e emocionante para alguns telespectadores do que a novela Duas Caras. É essa mesma mídia que também mostra casos como a morte fictícia da Isabella dos Santos, mas de outro lado. Isabella Nardoni foi uma exceção jornalística que durou dias e ainda é notícia, Isabella dos Santos seria apenas mais uma noticiada. Houve um caso de uma menina estuprada num presídio há pouco tempo atrás. Será que a imprensa deu tanta atenção a esse caso pelo fato de ter sido uma menina de catorze anos ou pelo fato de haver uma pessoa instruída por trás daquela crueldade? A mídia realmente se preocupou com a menina ou estava preocupada em saber quem estava por trás daquele crime? Pelo que vejo da mídia, ela acredita que uma pessoa instruída normalmente não seria capaz de cometer tal crime. Crimes parecem ser reservados para os pobres, os favelados. Crimes de pessoas instruídas parecem ser como novidades, algo fora dos padrões comuns. Parecem ser notícias que merecem destaque, notícias que esperam algum tipo de explicação inacreditável, algum tipo de conspiração mirabolante por parte de algum grupo de criminosos, que inocente uma pessoa que possui um diploma. Por esses dias, assisti a um programa sensacionalista que passa aqui na Bahia que mostrou um caso de uma menina que era espancada por uma mulher de classe média alta, branca e formada. Essa mulher afirmou que espancou a menina e disse na entrevista que achava que estava educando. Um caso digno de repercussão nacional, mas já está esclarecido. Por estar esclarecido, não tem graça, não comove e não daria muita audiência. Seria mais uma notícia que passaria batida pela população. O programa sensacionalista tentou explorá-la no dia, mas esqueceu que era um caso esclarecido. Não comovia quase ninguém que estivesse assistindo naquele horário. Mas mostrou as imagens e explorou ao máximo antes de mostrar a entrevista com a mulher. Eu me pergunto por onde andam os pais do João Hélio, será que a imprensa possui a mesma curiosidade? A mídia mostra aquilo que a população quer ver, mas também possui o poder de induzir o que a população quer assistir. Será que o acompanhamento desse caso seria cobrado pela população caso a mídia não fizesse um alarde tão grande acerca do caso?

A população parece viver numa época de caos, de perda do sentido da vida humana. Mesmo com tantas meninas morrendo, mesmo com tantas crianças passando fome, a morte da menina Isabella Nardoni foi como jogar um balde de água fria numa população apática. Seria hipocrisia? Eu realmente acredito que todos que se dizem comovidos estejam, de fato, comovidos. Mas e quanto aos outros casos? Ninguém se comove? Ninguém vai à missa? Ninguém diz na televisão que prefere não acreditar que um pai e uma madrasta como eles tenham matado uma menina de apenas seis anos? Os outros casos passam na televisão como a previsão do tempo, todo dia passa um caso novo. Os olhos que acompanham os outros casos não se surpreendem com o que vêem, mas ficam horrorizados com o caso da Isabella Nardoni. Meninas estupradas pelos pais, moradoras de favelas. Meninos espancados pelos pais, moradores de favelas. Isabella Nardoni, moradora de bairro da classe média. Será esse o diferencial? Prefiro acreditar que seja esse o diferencial e não o diferencial étnico, do fato de outros casos abordarem, na maioria dos casos, negros. Esses mesmos dias de horror foram vivenciados no caso do menino João Hélio, branco e de classe média. São terríveis ambas as suposições, mas prefiro acreditar veemente que nossa sociedade discrimina por classe social e não por etnia. E, sinceramente, é no que acredito. Alguns casos envolvendo pessoas de etnia branca, porém favelados, não deram tanta audiência. E isso me fez crer que não vivemos em uma sociedade tão “racista” (fiz o uso desse termo por melhor representar o que quero dizer, apesar de julgá-lo inadequado). Isso não quer dizer que eu esteja feliz por viver em uma sociedade que ache normal discriminar por classe social. O que é terrível para a classe média é tão terrível quanto para o pobre. Eu prefiro acreditar que seja uma questão social e não étnica, pois uma questão social leva-se em consideração alguns aspectos, muitos são generalizados, porém certamente é uma diversidade bem maior do que as discriminações étnicas, que são muito mais limitadas. Ambas são igualmente terríveis, mas eu ainda prefiro acreditar na primeira hipótese e prefiro acreditar que a sociedade, de maneira geral, se baseia em argumentos mais complexos do que uma simples cor de pele. Alguns, que já acreditam na acusação do pai, se perguntam como um pai pôde ser capaz de matar a própria filha de apenas seis anos. Incrivelmente, não vejo toda uma sociedade parando para perguntar como um pai pôde estuprar uma filha em um bairro pobre e ter engravidado-a. Não foi uma suposição, esse caso realmente aconteceu. São dois casos de pessoas que deveriam proteger seus filhos e teriam feito exatamente ao contrário.

Qual a diferença entre Isabella Nardoni e Isabella dos Santos? Isabella Nardoni comoveu o país e mobilizou a imprensa e a polícia. Isabella dos Santos certamente seria apenas mais uma das más notícias de algum programa sensacionalista. Isabella Nardoni mostrou a crueldade humana de uma maneira que todos, ou quase todos, se comoveram. Isabella dos Santos mostraria uma crueldade humana “cotidiana” e “sem graça”. Isabella Nardoni dá audiência em horário nobre. Isabella dos Santos seria acompanhada pelo público dos programas sensacionalistas na televisão. Isabella Nardoni é branca. Isabella dos Santos possivelmente seria negra. Os pais de Isabella Nardoni são pessoas instruídas. Os pais de Isabella dos Santos seriam pessoas sem estudos adequados. O país se comove com a história de Isabella Nardoni, que possivelmente será inspiração para alguma dramaturgia. Isabella dos Santos tornar-se-ia apenas mais uma das estatísticas da violência. Isabella Nardoni pôde chocar a sociedade por ter uma série de diferenças sociais sobre a fictícia Isabella dos Santos, apesar de ter sido basicamente a mesma história. Em sumo, levando em consideração a reportagem fictícia, Isabella Nardoni e Isabella dos Santos foram vítimas da mesma crueldade, porém o caso seria julgado diferentemente por uma simples questão de diferença social e, prefiro não acreditar, étnica. Será que só o assassino de Isabella Nardoni foi cruel? Isabella dos Santos é uma personagem fictícia. Ela representa todos aqueles que nunca tiveram mais de dez linhas no jornal noticiando sua morte, por mais cruel que tenha sido.